sábado, 26 de maio de 2012

Diálogo entre índios I




Uma vez, em uma selva de pedra selvagem distante, vazia de bichos e árvores. Cheia de madrugadas e luas estreladas, dessas que enfeitam a bela donzela: o céu da terra. E lá, no silêncio, a venerar, a hora de a onça beber água, dois índios sem sono (sonâmbulos?) empiricamente a "mensagiar" entre tecnologias “célularianas”. O índio rebeldia (respondia por Chá) e o índio ponderado velho (foi “nomado” de Poranga), e dialogavam sobre tantas e quantas coisas desimportantes. Grita liberdade o índio Chá:

Chá: - Queria levar uma vida bonita e sublime, onde a gente reprime qualquer tipo de repressão. Eu venho da roça, onde os pássaros gorjeiam bossa, tecendo linda canção. Lá o céu é grande demais, e o sol ilumina mais, irradiando sua falta de lucidez. Aqui o sol brilha do mesmo tanto, mostrando que em qualquer canto as estrelas são vocês.

Poranga: - Eu queria uma vida simples. Ser simples e viver a sonhar na roça, no sítio ou em qualquer lugar que caiba e que caibam os amigos, e com certeza um verdadeiro amor. Que vida dividida que eu levo: entre a razão e a opressão; a consciência e a ciência; o real e a poesia, vida que segue a estrada de heresia ao encontro dos descaminhos!

Chá: - Já dia outro deito em minha “catre”, nesta prisão "ocre”, a trabalhar. Noutro chego a “maitre”, numa mão frango podre, noutra um candeeiro, me lembra mineiro a trabalhar num candeal. Cada milímetro de sangue nutre com atrito, o meu átrio me furta a lembrar se está seria uma outra vida ideal. E após romper o lacre mental, sabe que estas a vida por demais real.

Poranga: - Pois do “ceútri” outra terra. Alma vive em guerra. Feito ferida fera. Fel doce vida que pensa. “siga a correnteza”; ensina o ancião. Não se incomode cidadão com a coletiva mediocridade, deste tempo por hora líquido.

Chá:  - Mas nos ainda escravos da ampulheta! Tua areia faz a neta carregar a futura neta. E depois de um tempo o tempo nos atinge com sua bereta. Impiedosa impassível e venenosa seta. Mas deus nos fez escolher louco ou careta. Se escolheste tua meta, como cometa, não sei se há escolha correta. A areia cai, a vida vai, se esvai. Se a escolha a de ser escolhida, escolhemos “La doce vida”. Este é um bom dialogo tupinambiano.

Poranga: - Nunca escolha alguma fiz. De ilusões a tempos desfiz. Sou artista careta a todo momento, desde Platão e a caverna dos mitos. A areia, a ampulheta, Raul quem entende? Eu; tu; aqueles... sou escravo somente, eis de servir eternamente. O que me sobra hipocrisia, falta ao mundo entropia humanitária! Mas dentre os escravos, sou livre, em mente!

Chá: - Quando vejo que as palavras ditas a 40 anos fazem sentido, percebo que o povo não aprendeu nada. Mas vamos lutar, não sozinhos, ao tempo. Mesmo que lutemos contra moinhos de vento!

Poranga: - Não é de vitória os moinhos a lutar. Contra ou a favor do vento “eterna-mente” a girar. A solidão, das utopias os sonhos, a espera de “felicidade compartilhada”. Os tupinambás vivem 500 anos “posteriori” ao extermínio. Inflamando o pulso nosso. Livre esse povo americano latino- do centro e do sul.

Chá: - Hoje eu entendo o mundo como um parlamento mudo. Que parla, parla, parla e parla pra lá! Como um nadador nada, nada, nada... e nada. Bastante fala louca, excessivas bocas. Por demais cordas vocais. Mas estão surdos os ouvidos! Pobres tímpanos, que na verdade, estão sem utilidade. Portanto, suplico de novo: vamos ouvir o povo!

Poranga: - Eu ouço os "mudos" a inundar o parlamento do povo! Pelegos aos chamegos, excretando na cara o “entreguismo” global. E vomito a cada pranto um “cadin” de contradição. Viva a democracia de um povo surdo, mudo, cego... consumir  incha a forma do ego! O povo usa gravata sem colarinho... segue apenas o caminho que é permitido. E me indaga um desses, oprimido- que tanto defendo: -“Por que pergunta, tonto? Não é feliz a servir. Por que questiona, quanto? Se eu não ando reclamando de nada... deus vê tudo irmão, nossos Senhores (sem dores) pagarão. Cada gotícula de suor sangue lágrima, fruto ou fruta de apropriação indevida. Outras vidas haverão?”.... Ando mudo de resposta até agora. Tem o que me indica a explicação ou mais perguntas, índio Chá?

Chá: Se há várias vidas, depende do ser e da sorte. O que acho é que há várias mortes. Assim como não sei há deus fraco ou forte; mas tem "mui" diabo por ai, de sul e de norte! Não sei se existe a loucura de fato, mas caretice aqui é mato. O que eu afirmo com veemência é que eu não sei se existe a própria existência!


                                   (Stéphano Diniz e Iberê Martí)

sexta-feira, 25 de maio de 2012




A Lua toda ai... se esbanjando soberana
E esses ali... espirrando seus defeitos em outros
Pregando pré-conceito
Se achando superior
Desrespeitando seu próprio respeito
Inventando regras, leis e reis
Contradição: é idiota pensar
E quem não é hipócrita?

A Lua toda ai... enganando luz própria
E nós aqui... denegrindo as individualidades
Amenizando nossa mediocridade
A indiferença alheia- intelectuais?
Ameba de cultura
Cheia de discursos morais
Ética: estética que ninguém nunca teve
Falta muito a esse mundo
Inundado de soberba

A Lua toda ali... esnobando solidão
Eu aqui... escondido em pensamentos!

(Iberê Martí)

quinta-feira, 24 de maio de 2012





Num grande gesto de amor
Toda natureza se abraça
Deste abraço faz-se um caminho
Caminho de vidas
De muitas vidas

Água que cai do céu e
Pelas veias da terra escorre
Transporta, brota...
Alimenta, cria e recria
Palco de vidas
Muitas vidas

Caminha... Caminha
Entre arvoredos
Levando vidas
Muitas vidas

Peixes... Vegetais...
Tantos animais
Abre os braços, faz-se varjão
Num abraço, fazem-se ilhas
Os Ipês e tantas outras
Enfeitam tua trilha
Caminha... Caminha
Fazendo vidas
Muitas vidas

Mata sedes
Cria raízes
O canoeiro traça retas
Em suas curvas
As lavadeiras lavam e se lavam
Botos brincam de roda
Vento faz banzo
Tudo e todos seguem o teu caminho
Caminho de vidas
De muitas vidas

Lago de dentro
Lago de fora
Grota bonita
Pedreira de Santa Rita
Espraiado... Prainha
Recantão... Estirão da tartaruga
As suas margens
Crescem e multiplicam vidas
Muitas vidas

Fez-se um  porto
Um porto Alegre
Um Porto de Vidas
De muitas Vidas
No coração do sertão
Tapirapé e suas vidas
Muitas VIDAS.

                
(Valdo da Silva)

terça-feira, 22 de maio de 2012




Existem pessoas que andam sobre a corda bamba
Ou caem no inferno ou caem no samba
Eles não vivem mas sobrevivem no mundo
No alto da montanha, sem medo do vale profundo
Que vivem sempre e só a abusar da própria sorte
Querem muito viver, e até tem medo da morte
Mas isso não impede que eles sejam felizes
Como folha ao vento, eles não possuem raízes
Não há margem de erro, não há planejamento
E todo o excedente é aproveitado naquele momento
E é assim que eles vivem e que eles vão viver

Eu confesso, sou um deles, vivo desse jeito
Guardando apenas aquilo que cabe em meu peito
Quero logo sentir o sabor tinto do vinho
E também a embriaguês  que encontrar no caminho
E se me der na telha de lutar contra moinhos
Pode ter certeza de que eu vou lá e lutarei

Somos um grupo de pessoas espalhadas sem líder messiânico
É nas famílias mais tradicionais que nós causamos pânico
Porque eles vivem só para rezar e pra juntar dinheiro
Mas eles nunca conseguirão sentir o sabor verdadeiro
De sentar no alto da roda na pirâmide com um violeiro
E apreciar o milagre matinal que é de ver o sol nascer

Somos um bando de pessoas repletas de amor-próprio
Nem que para isso temos que utilizar o nosso amigo ópio
Vocês podem pensar que somos loucos num conto de fadas
Talvez loucos sim, mas num real mundo florido de alvorada
Um pit stop, baby, na cidade branca de pedra e murada
Na pirâmide para olhar o horizonte alvorecer


(Stéphano Diniz)

sexta-feira, 11 de maio de 2012





"Um sábio andarilho diz ao vento: -Existem os doidos, os loucos, os insanos e os raros.
O vento curioso pergunta: -Quem são os doidos de quem falas?
E o sábio responde: -Estes são muitos.
-E os loucos, quem são? Pergunta o vento.
-Apenas alguns. Prossegue o andarilho.
Pensativo o vento indaga mais uma vez: -Os insanos, não os conheço. Quem são?
-Poucos, muito poucos meu caro. Diz o andarilho pensativo fitando o horizonte, e assim permanece em uma pausa isenta de pensamentos.
O vento esperava ansioso a conclusão, então rompeu o devaneio do sábio andarilho: -O que podes me dizer a cerca dos raros? Nunca antes ouvi falar destes.
 E o homem volta teu olhar ao vento e sussurra como quem pensa consigo mesmo: Os raros, ah os raros. Esses sim são ... raros!"


(Rafael Olivares)




A vida em pranto
Lamento que condiz
O nariz desavisado
A cegueira inoportuna
Surdo o destino- penso eu!
Tanto abnega Lírio-do-campo...
O brilho opaco de um sorriso
Já não trilha mais caminho
Sonha um ninho- todo seu!


(Iberê Martí)

quinta-feira, 3 de maio de 2012



Deixo os meus passos ao encargo do acaso, a filosofia por conta do botequim mais próximo, as palavras, frutos da razão e os atos, consequências da insanidade; das histórias que se encarregue a estrada mãe e as revelações, o tempo há de fazer; a sonoridade que venha de Gaia (ou mãe natureza se preferires), que no sonhar para sempre reinem as areias de Oneiros e no despertar o completo Caos; que deuses antigos e novos brindem à contemplação momento e profetizem a calmaria, que os seres apreciem da sabedoria e que nuvens dancem em solo firme; o medo transmuto em desafio, a incerteza vira combustível que alimenta o desejar, as ofensas são a matéria prima da armadura, mas é a serenidade que molda o fio da espada com a qual golpeio, e assim a honra é o elmo que tem a convicção como estandarte. E que assim seja enquanto o imaginário ainda viver dentro da criança a qual chamo de consciência.

(Rafael Olivares)

quarta-feira, 2 de maio de 2012





Nasceu

Ao sul de seu criador
Já nasceu repleto de dor
Nasceu com sede, com fome
Já existia antes, só mudou de nome
Nasceu sem condições de nascer
Assim como nasceu nunca vai crescer

Pobre negro nenê
Que já nasceu em meio a miséria
Que antes de existir, não era coisa séria
Uma terra em que se brinca de bang bang
Uma terra manchada de petróleo e sangue
Um nenê que acabou de nascer

Terá futuro o pobre nenê?
Só nasceu por interesse externo
E pra gente copiar no caderno
De geografia, sem saber por quê

Infelizmente é negro seu futuro
Pobres são as mães desse novo país
Povo sofrido, povo faminto, povo feliz
Pisando descalço sobre esse chão duro

Mães desse bebê prestes a morrer
Esse parto artificial que foi cesária
Desse bebê que nasceu com malária
Bebê que não soube nascer

Nascituro
Não nascido
Nenê
Natimorto

(Stéphano Diniz)