Andar
afastado do mundo, em um universo paralelo as engrenagens pós-modernas é algo
realmente fascinante. Fascina estar distante de tudo que tão somente se repete
e se repete. Mas hoje, a quarta-feira de cinzas foi antecipada. Não. Nem que
seja “arroz-de-festa”. Não. Não que importância
tenha o carnaval e no que o mercado o transformou. Não. Não que importe o
enredo de uma escola de samba, quanto (ou muito menos), qual escola vai ser
campeã. Muito menos importância persiste em minha consciência sobre essas
divisões geopolíticas. No entanto, o “fato” em si, da história misteriosamente
ocultada é algo há se pensar. Por que escondem a história de um povo?
Ainda
de manhã, no alvoroço da comunicação de nossa época: já se registrava incontentos
com o desfile da escola de samba mangueira e sua grande homenageada Cuiabá. Curiosidade
logo invadiu o peito, e até o samba enredo foi buscar um maior entendimento. Logo
de frente com aquelas palavras soltas, de um lugar abstrato: que homenagem é
está há um povo: onde o povo homenageado não se encontra? Estranho escrever
sobre tal assunto. Primeiramente por que não sou mato-grossense de nascença. Entretanto,
meus primeiros passos foram ali. Aprendi a respeitar e cultuar este estado, e
sua história (de antiga) invasão.
Os
seus índios resistentes; seus caboclos destemidos; seu jeito diferente
culturalmente de pensar e agir. Foi na escola agrícola no auge de meus catorze
anos que encontrei com a cultura cuiabana. Logo me encantei com esse povo que
chama mãe de “mamãe”, e pai de “papai”. Com essa língua rebelde, com seus
passos leves de quem conhece a força temida do sol. Foi neste período que
descobri que peixe é “pexe”. Que maxixe tem por todo canto espinho. Que cuia
quando cai na água faz “bá”.
Foi com esse povo ressabiado e
matuto que aprendi que de coxo se faz também viola. Que antes de tudo e
qualquer coisa é uma história de resistência, de luta, de peleja sertaneja. Do caboclo
que vive isolado em seu sertão de águas imudáveis por determinada estação do
ano. É mesmo afastado do contato direto com a midiática cruel e sedenta, logo
que obtive notícia da homenagem a essa gente, fiquei de prontidão esperando
conhecer novas histórias deste povo. Ledo engano. Plena insólita ilusão. Este povo, essa gente, esta cultura, esta resistência
não pertencem aos “donos de tudo”. (Aos fabricantes primários e primatas deste
sonho de nação). Não que importe com esse egoísmo patriótico por cidade,
estado, nação. Mas pelo fato de saber plenamente que quando se quer aniquilar
uma cultura comece pela ideia. Elimine a ideia e imaginação, as crenças e que
sobra de um povo? Muito pouco ou quase nada: que nos expliquem os ciganos.
Tristonho mesmo é o “fato” que
novidade alguma existe neste novo (nem tão novo), “ato”, ação atitude. Quantos povos
aniquilados, dizimados e marginalizados aqui mesmo nas Américas (no coração
central do planeta, como dizia o enredo do samba). Extrapole isto há outros
continentes, outros povos. É que haja muita imaginação. Fato que os donos
destas planícies no presente têm vergonha da cultura deste povo. Amam muito
mais o ocidente, seu modelo civilizatório copiado do passado e portanto super desenvolvido.
Têm repudio a esse palavreado misto de diversas origens e dos seus fluidos sons
que se originam nas múltiplas variações de X e CH. De tudo isso que realmente
importa? Se tu não consome o produto do mercado?
O dia foi triste não por ver a
escola que carreguei no coração durante a infância se entregar a tamanho
desaprumo ao confundir, misturar e desvalorizar a memória e cultura de um povo.
Uma escola de Chico, de Jamelão (este se contorcendo no céu). Não. Este foi
fato de menos. Pouco importa se vendido. Pouco importa, ou muito menos o
dinheiro público "investido" – iria para qualquer outra autopsia burguesa mesmo. É
muito menos importa os vencedores do tempo atual. Pensam, acreditam que mataram
as escolas de samba, que compraram e venderam a nossa história. Fingem saber de
tudo e um pouco mais. Sabem todos esses de nada e um pouco menos. Por que a
cultura da escola, e a escola a instituição há de permanecer: sobreviver a
qualquer devaneio dos seres humanos do presente. Pouco menos importa com os “donos
de tudo” a Viola-de-coxo e o “Pexe com
maxixe no Coxipó da ponte”.
Nada disto importa. No futuro envergonhado estão
os seres humanos que conduzem o presente e as múltiplas facetas do senhor
mercado. Foram infelizes – prefiro acreditar. Lá adiante, há história e a
cultura do povo será cruel. Por que dinheiro compra a história que os livros
contam. Mas jamais vão calar o sentimento de um povo. Viva a estação primeira
de mangueira; viva a cultura cuiabana. O resto, o resto é mera ganância: dos
que se acham donos do fio! Pois é o povo o Carpinteiro da história de um
Universo sem fronteiras; onde um povo sonhador e labutador canta: - vote primo; deixe de moage: tchá mãe!
(Iberê Martí)