domingo, 4 de novembro de 2012



                                                                   
                                                       João Santana



A sabedoria popular sempre acerta. E acertou de cheio nesse sentido: de poeta e louco, todo mundo tem um pouco. Sim, mas as pessoas tem medo de serem poetas. Não dão a mínima para as loucuras que passeiam em suas mentes. Guardam consigo mesmas, quer dizer, matam-nas dentro de si. Não anotam. Eu não canso de falar que as ideias mais brilhantes são aquelas mais esquisitas, as mais loucas que nos passam pela cabeça. Mas, as pessoas não têm noção do poder que elas têm... Os poetas e as pessoas famosas sabem. Num prefácio escrito por Michele Sato, li isso: “todas as pessoas famosas conservam sempre seu lado humilde, talvez por que são conhecedoras de que neste mundo, coisas simples são importantes à complexidade da vida”.
Os poetas, esses meninos-do-além brincam com nossas fantasias. E, felizes são eles, que deixam registrados seus versos para eternidade. São caçadores de rãs. De lanternas acesas lá estão eles à procura, nos lugares inúteis e insignificantes que todos desprezam. Lá encontram o que almejam. E aí saciam e se fartam.
Manoel de Barros, poeta do lixo, é quem vai confirmar minha doidice: “tudo o que é bom para lixo, é bom pra poesia”. Fazer poesia é tarefa boba, Adélia Prado chega a dizer que “fazer poema é fácil, mas é preciso garimpar de um cargueiro de livros, um livro, um só, ou de um poema um verso, um só retenha o clarão, o som da língua divina”.
Alguém me disse um dia que, todo poeta é meio “bêbado”. Discordo. Eles vêem as coisas na sua pureza, tal como são. As pessoas “normais”, deturpam-nas. Existe o “ver” de “enxergar” e o “ver” de “sentir”. Os olhos apenas enxergam. O coração sente. A retina do poeta está no coração. O poeta não se embebeda apenas com álcool. Ficar bêbado de álcool parece-me desconfortável. Eu, por ser encantado por cosias belas e simples, embebedo-me da vida, e movido por minha embriaguez, desejo beber os mares e suas profundezas e se tivesse tamanhos braços, queria abraçar o mundo inteiro.
O poeta é um vendedor de estrelas. Imagino que eles não pensam em escrever uma poesia, eles apenas juntam as palavras. Fotografam a realidade. O poeta não tem o mérito da palavra. É apenas um mero tecelão. O que para eles deve ser difícil é colocar pernas nas palavras para pessoas viajarem léguas de distância. Mas, ainda penso que  não seja tão difícil quanto colocar nelas um paladar para as pessoas lerem e sentirem o gosto ausente. Mas, continuo achando que mais difícil do que o paladar, talvez seja colocar nas palavras um rosto para que alguém descuidado deixe escapar uma lágrima ou um sorriso. Insisto. O mais difícil de tudo, deve ser colocar nas palavras um coração para fazer sentir dor sem precisar de armas para ferir. Vou mais longe: bem mais difícil do que colocar um coração é possível que seja colocar nas palavras um ouvido para silenciar diante do sentimento de alguém e apenas ouvir.
De tudo isso, a tarefa mais árdua do poeta deve ser tirar a fechadura das palavras e não se importar em ser roubado, pois o poeta não vive por si só; somente assim, despojado de tudo, ele pode despedir-se das palavras, pois, escrever é para ele deixar um pedaço de si nas letras. Desprendido, prefere fixar morada nos lábio ou no coração de quem sente que a poesia bateu a porta.
Assim, quando mais velhos se tornam, mais novas são as palavras. E, quando mais novas elas se tornam, menor é o tempo de criança deles para com elas brincarem e fazer delas um brinquedo para fazer feliz alguém.
Que pena essa curta vida! Deveriam viver mil e um anos para nos fazer sonhar mais....

(in: Recortes: Fragmentos do cotidiano. Instituto Mão Dupla)

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