Fui pra rua, sentei no banco da praça.
Lá esqueci meu relógio... quando deparei por mim, o sol estava se pondo. Havia
perdido a hora. (Há quanto tempo isso não acontecia?). Não voltei pra procurar
o relógio. Então eu quis olhar o sol de perto, pelo lado de dentro da retina.
Tirei o óculos. Um colibri passou, achou que era um graveto e levou no bico para
construir seu ninho. Enfim, algo de útil foi feito com aqueles óculos. Nisso a
noite chegou. Veio uma índia pedindo esmola, com uma criança no colo. Tirei
minha camiseta e por fim aquele tecido aqueceu o peito de alguém que realmente
precisava. Continuei caminhando. Passei em frente à escola de minha infância.
Lá eu deixei a fórmula de bhaskara (assim mesmo, minúscula, miúda), e todos os
demais (pre)conceitos que as convenções impõem...E eu comecei a caminhar mais
leve. Meus passos, feito pluma, foram aprendendo a recompor tudo que eu havia
aprendido esquecer com a cultura. Neste instante meu coração ficou Manoel de
Barros. (E permanece ainda hoje). Foi possível, até que eu avistei a madrugada
chorar na secura do sol. Vi estômatos se abrirem e se fecharem. Avistei um
carcará afagar a maria-dormideira. E o sol nasceu fazendo um anel em volta da
terra, sob um coral de joão-de-barro. Harmonia era tanta que a flor de ipê caiu
lentamente no pé de uma paca. (Que nem se assustou, por que deverás?). Uma
criança sorriu da feiura do teiú. A onça lambeu a água lentamente, animal de
estimada espreita. Um galheiro tropeçou em meu caminho, deu um salto e foi se
embora. Avistei uma criança correndo descalço. Tirei o sapato, larguei eles em
um canto. Logo um cachorro fez dele um bumerangue. (O sapato apertado se foi, e
nunca mais voltou). Senti novamente o prazer da terra úmida. Passei a mão em um
punhado de barro, apertei com força, até gotejar a água exprimida. Depois
lancei o torrão na água. Cuja as ondas foram se expandido em círculos perfeitos.
Não havia mais em mim nenhuma necessidade de nada. Joguei fora as lembranças,
as más e as boas. É essa mania de armazenar O Inútil que nos torna jabuti ao
invés de aves. Tudo estava posto, contemplando o desprendimento. Como um
aposentado, no mundo do dinheiro, do trabalho e da competição. Dei de ombros ao
Abandono. Tu nunca mais me encontra! (Exclamei a ele). É a Liberdade pousou em
minha frente. Me sorriu, e me chamou de Andarilho. Acho que ainda estou
encantado, parecia até esmola... Tão bom ou melhor que não ter pra onde ir, é caminhar, caminhar e
caminhar sem nenhuma esperança de chegar. Acho que os desempregados deveriam
aproveitar melhor, a única e mais sublime oportunidade, que está Vida inóspita os
concederá!
(Iberê Martí)
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