terça-feira, 9 de setembro de 2014

Desempregado

 

Fui pra rua, sentei no banco da praça. Lá esqueci meu relógio... quando deparei por mim, o sol estava se pondo. Havia perdido a hora. (Há quanto tempo isso não acontecia?). Não voltei pra procurar o relógio. Então eu quis olhar o sol de perto, pelo lado de dentro da retina. Tirei o óculos. Um colibri passou, achou que era um graveto e levou no bico para construir seu ninho. Enfim, algo de útil foi feito com aqueles óculos. Nisso a noite chegou. Veio uma índia pedindo esmola, com uma criança no colo. Tirei minha camiseta e por fim aquele tecido aqueceu o peito de alguém que realmente precisava. Continuei caminhando. Passei em frente à escola de minha infância. Lá eu deixei a fórmula de bhaskara (assim mesmo, minúscula, miúda), e todos os demais (pre)conceitos que as convenções impõem...E eu comecei a caminhar mais leve. Meus passos, feito pluma, foram aprendendo a recompor tudo que eu havia aprendido esquecer com a cultura. Neste instante meu coração ficou Manoel de Barros. (E permanece ainda hoje). Foi possível, até que eu avistei a madrugada chorar na secura do sol. Vi estômatos se abrirem e se fecharem. Avistei um carcará afagar a maria-dormideira. E o sol nasceu fazendo um anel em volta da terra, sob um coral de joão-de-barro. Harmonia era tanta que a flor de ipê caiu lentamente no pé de uma paca. (Que nem se assustou, por que deverás?). Uma criança sorriu da feiura do teiú. A onça lambeu a água lentamente, animal de estimada espreita. Um galheiro tropeçou em meu caminho, deu um salto e foi se embora. Avistei uma criança correndo descalço. Tirei o sapato, larguei eles em um canto. Logo um cachorro fez dele um bumerangue. (O sapato apertado se foi, e nunca mais voltou). Senti novamente o prazer da terra úmida. Passei a mão em um punhado de barro, apertei com força, até gotejar a água exprimida. Depois lancei o torrão na água. Cuja as ondas foram se expandido em círculos perfeitos. Não havia mais em mim nenhuma necessidade de nada. Joguei fora as lembranças, as más e as boas. É essa mania de armazenar O Inútil que nos torna jabuti ao invés de aves. Tudo estava posto, contemplando o desprendimento. Como um aposentado, no mundo do dinheiro, do trabalho e da competição. Dei de ombros ao Abandono. Tu nunca mais me encontra! (Exclamei a ele). É a Liberdade pousou em minha frente. Me sorriu, e me chamou de Andarilho. Acho que ainda estou encantado, parecia até esmola... Tão bom ou melhor que não ter pra onde ir, é caminhar, caminhar e caminhar sem nenhuma esperança de chegar. Acho que os desempregados deveriam aproveitar melhor, a única e mais sublime oportunidade, que está Vida inóspita os concederá!
 
(Iberê Martí)

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